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Sonho sem fim

Dagmar Garroux é a mulher mais indignada deste mundo. Quem diz isso é a própria. Indigna-se com o abismo de classes sociais, com o racismo, com o descaso do poder público e por aí vai. Agora, o que mais deixa essa pedagoga fora do sério é ver uma criança perder a capacidade de sonhar.

 

Desde que fundou a Casa do Zezinho, em 1994, a Tia Dag (como ficou conhecida) já ajudou a manter mais de 25 mil crianças e adolescentes sonhando. A ONG, que tornou-se referência internacional em impacto social através da educação, fica no entroncamento de três bairros paulistanos: Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luís.

 

O domínio do tráfico somado à exclusão social fez com que a região ficasse conhecida pela violência, pela baixa renda de seus moradores e pelos altos índices de analfabetismo. 

 

De olho nas quase 900 mil pessoas que lá vivem, Tia Dag cita o escritor alemão Johann Goethe: “Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma, todo o universo conspira a seu favor. Pelo visto, a conspiração do cosmo tem dado certo.

 

Com mais de 5 mil m2 de área, a Casa do Zezinho é um arco-íris que brotou numa das áreas mais cinzas do Brasil. Anualmente, 1,2 mil crianças e jovens mergulham nas diversas atividades educacionais, esportivas e profissionalizantes da ONG. Inclua aí um bela piscina também.

 

“Quando me falaram que existia uma escola que não precisava estudar, apenas brincar, me interessei”, diz Hugo Costa Silva, um Zezinhos que já passaram pela instituição. É assim que todos são chamados. Hugo estava errado. Estuda-se ali, só que de um jeito diferente.

 

“O modelo de educação está ultrapassado. É burocrático”, dispara a pedagoga formada pela USP na década de 1970. “Aqui a criança aprende a ter autonomia de pensamento. Desenvolvemos uma metodologia chamada Arco-Íris, dividida em quatro pilares: ser (espiritualidade), conhecer (ciências), saber (filosofia) e fazer (arte)”, diz. Com o avançar da idade e a evolução do aprendizado, as crianças mudam de cor.

 

Tia Dag para, respira, e bebe mais um cafezinho. O terceiro da manhã. Com voz rouca e a língua afiada explica que o que falta na educação é TBC. “Tirar a Bunda da Cadeira! A Casa da Zezinho nunca esteve na zona de conforto. A gente discute muito, fala muito. Faz a integração com arte, saúde, esporte, lazer, cultura. O resultado é um ser humano extraordinário, um Zezinho”, conclui.

 

Com um orçamento anual sempre apertado, a premiada empreendedora social ensina como 1 pode ser igual a 6. “Para cada real investido no social, temos um retorno de R$ 6 para a sociedade. É investimento, não gasto. Como você quantifica tirar 25 mil crianças das ruas e saber que muitas delas não foram para o tráfico?”, indaga. Desde 2017 o projeto VISA Causas, com apoio dos clientes VISA, contribui mensalmente com a ONG.

 

Para quem começou com apenas seis crianças, o sonho de Tia Dag não tem fim. Por ela (e pela comprometida equipe formada em sua maioria por Zezinhos veteranos), a Casa Zezinho seria um bairro todo. Uma cidade, um país.

“Eu vou buscar a criança perdida em cada um, aquela que guarda milhões de caminhos criativos e soluções para questões do mundo adulto. E como eu vim parar no meio de tudo isso? Acreditando no meu sonho, é claro”.

Foto: Fernando Cavalcanti

São Paulo, SP, Brasil

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