

Esse cara inventou uma escola para você aprender a fazer seus próprios tênis
Como D'Wayne Edwards, o Manolo Blahnik dos calçados esportivos, está revolucionando a indústria do footwear com a primeira escola de sneakers do mundo
29.jul.2018
Flavio Sampaio, de Portland
A mesa do assistente do departamento de contas a pagar da L.A. Gear estava inundada de papéis, carimbos e envelopes, burocracia que não combinava com a efervescência da Califórnia dos anos 1980, quando foi criada a marca de tênis.
Entre um carimbo e outro, D’Wayne Edwards tentava descobrir como convencer a empresa a trocá-lo de área. “Havia uma caixa de sugestões no corredor”, lembra. “Sugeri que eles me contratassem como designer. Deixei também um desenho a lápis: um tênis criado por mim.” Ele fez isso diariamente ao longo de seis meses.
A chave da caixa de sugestões ficava na gaveta de Robert Greenberg, dono da L.A. Gear, empresa de Portland, Oregon, que chegou a ser a terceira maior indústria de calçados dos Estados Unidos na década de 1980. “Quando ele me chamou para conversar, os meus 180 desenhos estavam espalhados sobre sua mesa.
Ali, aos 19 anos, comecei minha carreira como o mais jovem footwear designer da história”, recorda Edwards, hoje considerado o Manolo Blahnik dos calçados esportivos. Em menos de quatro anos, o jovem de origem humilde e apaixonado por basquete passou a ser o chefe de design da companhia.
No ano 2000, a Nike comprou seu passe. O criador foi escalado para desenhar produtos para a Air Jordan, linha inspirada no jogador Michael Jordan e principal submarca da gigante americana. Assinou duas versões dos modelos Air Jordan (XX1 e XX2) – além de Edwards, apenas outros cinco designers fizeram isso nos últimos 23 anos da companhia.
Nos mais de 500 projetos que desenvolveu (incluindo seis Olimpíadas), ele gerou cerca de US$ 1 bilhão em vendas globais. Em comum, todos foram iniciados com um lápis número 2. Não à toa sua escola chama-se Pensole – um neologismo, em inglês, com lápis e solado. Inaugurada em 2011 também em Portland, a Pensole Footwear Design Academy é a primeira escola do mundo focada exclusivamente na criação de tênis.
Os cursos duram entre duas e doze semanas e abrangem três áreas desta indústria que fatura US$ 55 bilhões por ano: design (footwear), negócios (brand) e a trilogia cores, materiais e acabamentos. “Não tinha ideia da importância de Edwards no mercado. Ele é um professor severo, mas sabe muito bem do que está falando”, reconhece Flavio Markiewicz, de 26 anos, um dos três brasileiros entre os mais de 700 alunos que já passaram pela academia.
“Entrávamos às oito da manhã e não tínhamos hora para sair. Eram jornadas de 14, 16 horas por dia ou mais”, revela.
A maioria dos cursos são bancados por labels como Nike, Adidas, New Balance, Reebook e feiras de calçados que oferecem incentivo, material e briefings reais para os futuros designers que saem da Pensole capacitados – metade deles já absorvidos pelo mercado. Para conseguir uma das concorridíssimas vagas (há mais de 3 mil interessados na fila de espera), basta ter finalizado o ensino médio, ser maior de 18 anos e enviar o tênis dos seus sonhos, desenhado à mão, para o site da escola.
Os escolhidos ganham não só experiência prática, como também bolsas de estudos. A disputa pelos melhores alunos é tão grande que foi lançado um reality show, o Lace Up: The Ultimate Sneaker Challenge, em parceria com o YouTube Red. O time campeão, chamado Nu Black (Zaneta Horne, Andre Mayo e Vince Lebon), conquistou uma colocação na Adidas e teve seu tênis, o Harden Pensole, produzido comercialmente.
Há também a opção de pagar o curso do próprio bolso. Na parceria feita com a Pacific Northwest College of Art (PNCA), doze semanas de conteúdo custam cerca de US$ 10 mil e valem como créditos universitários – o investimento acaba sendo direcionado para as bolsas de estudo. “Fui o mais jovem de seis filhos negros, de mãe solteira. Construí minha carreira com muito esforço. Meu foco hoje é ajudar quem tem menos condições”, explica Edwards, enquanto caminha com um par de Adidas Superstar branco pelo salão de manufatura da Pensole.
“Um bom sneaker é o passaporte para o amor”, acredita D’Wayne Edwards. Sem dinheiro para comprar um carro quando jovem, “os tênis eram a segunda opção para conquistar as garotas”. Hoje ele tem cerca de 300 pares estacionados em casa. “Mas acabo usando mesmo uns 50 no dia a dia”, entrega.
Quando pergunto para qual esportista ele gostaria de ter criado um sneaker exclusivo, a resposta é categórica: Bruce Lee. A imagem do lutador de kung fu, morto precocemente em 1979, aos 32 anos, ocupa uma enorme parede na sede da Pensole. Ali também há uma frase: “Para o inferno as circunstâncias; eu crio as oportunidades”.
PEGADA CRIATIVA
Não existe alguém na cena de customização de sneakers que esteja mudando essa cultura de forma tão inusitada como o americano Dominic Chambrone. Mais conhecido como The Shoe Surgeon, ele cresceu como muitos de nós: obcecado por tênis, mas inseguro sobre como canalizar sua paixão para uma carreira lucrativa e significativa.
Chambrone construiu sua marca com a prática adquirida no ramo de conserto de sapatos e floresceu como um sapateiro que não gosta de ser chamado de “customizador”, responsável por alguns dos mais criativos sneakers do momento. “Sou autodidata, mas tive um aprendizado de cinco anos com um sapateiro em Windsor, Califórnia, e fiz um curso de uma semana no Oregon sobre como criar sapatos sociais”, explica Chambrone. “Também tive a chance de ir para a Itália ver como as fábricas de sapatos funcionam e tenho um mentor na Califórnia que faz as melhores botas de cowboy. Juntei tudo isso para criar tênis artesanais”, conta.
Chambrone agora divide seu conhecimento na a Shoe Surgeon School, sua escola em Los Angeles, além de ministrar cursos pop-up em Nova York. Durante quatro dias os alunos aprendem sobre calçados tradicionais, como montar e desmontar meticulosamente sneakers e como escolher os materiais certos para chegar ao look desejado.
“As pessoas dizem que sou talentoso, mas discordo. Trabalho duro, puxo meus limites e não aceito um não como resposta”, admite. “Fiz um plano de negócios quando tinha 19 anos, mas as coisas não saíram exatamente como o esperado e foram mudando diariamente. Hoje dou aulas na minha própria escola e sou chamado pelas principais marcas do mundo para desenvolver projetos. Passei de nível”, comemora.
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