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Economia verde

abril 2017

A INDÚSTRIA DA MACONHA JÁ MOVIMENTA US$ 6,8 BI NOS EUA E PROMETE TRIPLICAR DE TAMANHO ATÉ 2020

Flavio Sampaio, de Portland

 

O sofisticado, multibilionário e novíssimo comércio da maconha nos Estados Unidos tem algo em comum com o mercado de vinhos. Nas prateleiras, é possível escolher o tipo de erva, testada em laboratório. O consumidor pode escolher terroir, potência e sabor. Usa para se divertir ou para se curar – a erva é tão danada que serve para as duas coisas.

Somente aqui em Portland, uma das cidades mais progressistas dos EUA, existem quase 200 dispensários autorizados pelo governo a vender maconha. Tem os pequeninos de bairro, as redes com várias lojas, aquele que só vendem orgânicos, outro que só toca reggae e outro que se recusa a tocar reggae. A verdade é que tem para todos os gostos.

A recepção do Serra (do italiano, estufa), mais parece o lobby de um hotel boutique do que uma loja de canábis. Entrego meu documento para a simpática recepcionista e sento numa poltrona italiana minimalista para beber um chá de bergamota, cortesia para os clientes. Após o cadastro e a confirmação que sou maior, bem maior de 21 anos, sou chamado para a sala principal onde o vendedor, aqui conhecido como budtender, irá me conduzir na árdua tarefa de escolher entre as mais de 50 espécies de flores disponíveis, produtores em diferentes fazendas.

O amplo e bem iluminado salão exala aquele aroma fresco e natural de quem acabou de cortar a grama do jardim. No centro, vejo uma estufa de madeira e vidro com as ervas repousadas em uma almofadinha que até o João Dória, prefeito de São Paulo, acharia top. O jovem e bem treinado budtender logo percebe que eu era um novato no assunto e dedica todo o tempo do mundo para explicar as diferenças, características, efeitos e origem de cada flor daquele paradisíaco jardim.

Assim como no mundo do vinho há algumas características que devemos aprender na hora de escolher a erva ideal. A primeira delas é definir entre indica e sativa, duas famílias de uma mesma espécie. A primeira é mais física e relaxante enquanto a segunda é mais cerebral, criativa, energética. Há também a união genética das duas, as chamadas híbridas, que promete o melhor de cada lado.

Outra divisão importante é o princípio ativo que a planta contém: THC, sigla de Tetrahydrocannabinol, e CBD, sigla de Cannabidiol. O primeiro altera o estado da mente enquanto o segundo tem efeitos estritamente médicos, sem chapar ninguém. Mais uma vez há também a combinação dos dois.

A educação do consumidor é um dos principais desafios nesse primeiro momento. Há muita falta de informação e uma infinidade de escolhas que, algumas vezes, podem mais confundir do que facilitar. No Serra eles preferiram criar categorias de acordo com cada objetivo: foco, alívio, relaxamento, energia, alegria e criatividade. Escolhi um pouco de Bruce Banner (verde clara como o Incrível Hulk), Biscoito de Tangerina e um teco de Massacre dos Reis, sugestivos nomes para diferentes ervas.

“Você vai querer levar também alguns comestíveis? Vaporizador? Óleo? Pomada? Algum tipo de bebida? Temos água, sucos, energéticos…”, esclareceu o budtender. Há também bongues, joias, peças em couro feitas a mão e camisetas com o slogan “Serra, drogas de qualidade”. Preferi deixar todo esse universo para uma segunda visita e segui para o caixa. As três gramas custaram US$ 36 mais 20% de impostos – dinheiro investido em escolas públicas, programas de prevenção e também na polícia local. Estima-se que somente em 2016 cerca US$ 1 bilhão entraram nos cofres dos estados pró-canábis. Entrego meu cartão de crédito mas ele é recusado. Não somente o meu mas o de todo mundo. Neste mercado tudo é pago in cash.

Apesar da legalização estadual, a maconha ainda é ilegal federalmente, tipificada como “nível 1” ao lado de heroína, por exemplo. É por isso que bancos e operadoras de cartões de crédito não fazem parte desta corrida pelo ouro verde (ainda). Existe ainda um novo elemento em jogo causando mais insegurança jurídica: Donald Trump e sua equipe conservadora. Jeff Sessions, o novo Procurador-Geral da República e Ministro da Justiça (nos EUA a mesma pessoa acumula os dois cargos) é o cara que disse que a Ku Klux Klan, seita de supremacia branca responsável pela morte de 3.446 pessoas, era “OK” até descobrir que eles fumavam maconha.

Na mesma eleição em que Trump foi eleito, sete novos estados americanos, incluindo a gigante Califórnia, aprovaram alguma forma de legalização da maconha (medicinal ou recreativa). Dos 50 estados americanos, 28 já liberaram seu consumo, responsáveis por um faturamento de US$ 6,8 bilhões somente em 2016. Segundo a ArcView Market Research, principal fonte de dados do setor, a previsão é que o mercado americano triplique de tamanho nos próximos quatro anos, atingindo US$ 21,8 bilhões. Valores de um mercado legalizado, com nota fiscal, recolhimento de imposto e empresas listadas na bolsa de valores.

A consultoria de riscos Viridian Capital Advisors criou um índice para acompanhar as ações das 50 maiores companhias listadas na bolsa de valores americana com atuação direta no potente mercado da canábis. Enquanto a valorização média da bolsa foi de 10% em 2016, empresas amigas da maconha atingiram 256% de valorização.

Já existe até uma aceleradora de negócios exclusiva para o setor. Além de investir até US$ 80 mil em novos empreendimentos, a Canopy oferece uma imersão de 16 semanas com todos os atalhos para a criação do modelo de negócios, recomendações jurídicas, contábeis, dicas de comunicação, gestão e tudo aquilo que fará com que a nova empresa tenha sucesso sem queimar na largada. A Canopy é parte do grupo Arcview, que conta com 625 investidores que já investiram mais de US$ 91 milhões em 135 companhias.

Umas das startups mais celebradas desta indústria nasceu no Vale do Silício, epicentro de inovação tecnológica mundial. Com o aplicativo  Eaze o consumidor escolhe o tipo erva, quantidade, acessórios e espera sua encomenda chegar em casa em até 20 minutos. Lançada em 2014, a empresa já está em 100 cidades da Califórnia, tem 250 mil pacientes (somente que tem a carteirinha de uso medicinal por enquanto) e recebe um pedido a cada 30 segundos. Keith McCarty, seu fundador, levantou US$ 25 milhões em investimentos, o maior valor entre as empresas do setor.

 

Eleito empreendedor do ano pelo Marijuana Industry Awards, McCarty já tem bagagem como empresário bem sucedido. Em 2012 vendeu para a Microsoft a plataforma social Yammer, por US$ 1,2 bi. “Serviços sob demanda precisam ter alta frequência de uso, agilidade e disseminação popular para ter sucesso. A maconha tem tudo isso, é um casamento perfeito”, explica McCarty. Muito mais do que um simples delivery, o Ease já está se transformando numa referência sobre os hábitos de consumo do setor. “Neste segmento as informações são muito escassas. Nossa tecnologia permite saber quais cepas tem mais saída, em quais horários, para qual tipo de público, em quais regiões e assim por diante. Isso mostra o comportamento do consumidor em tempo real e permite que dispensários, produtores e toda a cadeia produtiva possam se adaptar aos padrões de consumo”, diz.

Durante a Guerra do Golfo, em 1991, 288 mísseis Tomahawks foram lançados a partir de submarinos e navios da marinha americana. Paul Tomaso, foi o engenheiro-chefe que ajudou a desenvolver o sistema de navegação desta arma de guerra que revolucionou a indústria bélica na época. Depois  de criar dispositivos de destruição e morte, Tomaso decidiu investir seu talento em laboratórios e sistemas de extração de canábis.

Por lei, todos os produtos devem ser testados em laboratórios credenciados pelo governo aferindo potência, origem, princípios ativos, como uma bula de remédio. Em apenas dois anos seu laboratório tornou-se um dos maiores dos EUA. “Decidi então inventar uma máquina para produzir o extrato da maconha em larga escala, capaz de processar 100 litros por vez”, diz.

O óleo da erva é extraído num processo que inclui gás carbônico e pressão, preservando toda a potência da planta. Em seguida a essência é encapsulada em cartuchos de um grama, vendidos ao consumidor por cerca US$ 60. Para fumar, basta atarraxar a cápsula em um vaporizador recarregável – cada grama garante 300 tragadas. O novo míssil desenvolvido por Tomaso bombardeia o cérebro e o sistema nervoso dos seus alvos gerando alívio, alegria e até gargalhadas.

Sua equipe não consegue dar conta da demanda, mesmo cobrando US$ 750 mil por um equipamento deste porte. “Faturamos US$ 20 milhões no ano passado”, afirma o empresário que não consome maconha e é casado com uma brasileira de Goiânia. “As pessoas ainda são ignorantes, acham que maconha só serve para ficar chapado. A grande revolução virá pelo uso médico”, acredita.

Pacientes encontraram no CDB, o princípio ativo médico da maconha, uma forma natural, eficiente e mais barata para combater dores musculares, glaucoma, efeitos colaterais de tratamento de câncer, esclerose múltipla, stress, falta de apetite e ansiedade. Quem tem indicação médica para o uso de canábis não paga impostos na maioria dos estados.

Gigantes da indústria farmacêutica como Eli Lilly e Merck já declararam sua preocupação sobre o assunto. Especialistas afirmam que é questão de tempo para que o CBD passe a ser vendido livremente em drogarias – finalmente drogas serão vendidas em drogarias!

Enquanto isso não acontece seguirei encontrando simpáticas velhinhas de cabelo roxo e andador na sala de espera dos dispensários, tentando adivinhar se elas estão atrás de CBD ou THC.

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Budtender pesa maconha em dispensário no
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